Creio eu que deveria dizer que detesto carnaval, que tenho horror declarado à música ruim, ao calor, ao suor, às aglomerações; que o carnaval é uma festa fútil, infantilizada. Mas a verdade é que eu adoro o carnaval. Porque o carnaval mesmo, o espírito do carnaval, o "carnavalgeist" é maior que o axé music, que os abadás, que as praias lotadas. O carnaval é a materialização de uma liberdade impensada em dias comuns.
Para mim, não há nada mais animador que saber que, se estiver a fim, posso acordar e ir vestida de Cleópatra à padaria, e ninguém vai nem ligar. As pessoas exercitam a liberdade sem medo, e ocupam as ruas, as praças, sabendo que se quiserem podem ir fantasiadas, e se quiserem podem também não ir. O carnaval subverte, o carnaval liberta. Se homem quer vestir-se de mulher, ou vice-versa, se criança quer sair de adulto, se adulto quer andar como criança, a ninguém importa e diz respeito. Cada um com sua consciência e suas vontades. Isso para mim é revolucionário, é inovador.
O carnaval é tão livre, mas tão livre, que até às pessoas que não gostam dele, liberta. Elas podem orgulhosas dizer que não suportam a balbúrdia e partir para locais tranquilos, de lareira, friozinho e jazz. Enquanto isso os partidários do carnaval também não se importam: partem para as noites bárbaras e acesas, talvez agradecendo no íntimo a quem vai embora e deixa mais espaço na rua.
Carnaval para mim não é escola de samba, não é bloco, nem desfile: carnaval é um tempinho do ano (talvez pequeno demais, talvez por isso mais intenso) em que cada um exerce sua felicidade da forma que lhe convém. Nada mais é preciso dizer.