terça-feira, 6 de julho de 2010

"Aí, viu?"

Em tempos de copa do mundo, uma situação que existe o ano inteiro - todos os anos - fica ainda mais evidente: até o homem mais contrário aos preconceitos de todo tipo se rende ao machismo diante de 22 homens disputando uma bola.
Eu gosto de futebol. Gosto bastante, até. Assisto aos domingos, vejo as notícias quase diariamente e sei o suficiente para opinar quando está impedido ou não está impedido. Acontece que quando declaro que assisto aos jogos da copa por motivo diverso às coxas dos jogadores, recebo dois tipos de olhares: de descrença ou de desafio. O segundo vem invariavelmente acompanhado de uma pergunta. "Ah é, então escala a seleção aí".
Acontece que eu não sei a escalação da seleção brasileira. Sempre me esqueço dos dois laterais. "Aí, viu?".
Paradoxalmente, eu acredito que a maioria dos homens do meu convívio também não saibam a escalação completa. Para alguns cheguei até a perguntar e confirmei. Só que homem nenhum precisa comprovar conhecimento técnico para assistir ao jogo em paz. Ninguém pergunta para um homem se ele sabe todos os nomes dos jogadores de seu país (fora os reservas!) quando ele diz que o técnico deveria fazer determinada subsituição. Não, para eles o futebol é inócuo.
Acho que tem um padrão nacional futebolístico segundo o qual só é reconhecida a vontade da mulher de prestar atenção no jogo quando ela apresenta pós-doutorado em futebol. E mesmo assim, ainda ficam com a pulga atrás da orelha.
E digo mais: quem reforça este tipo de comportamento são as próprias mulheres. Se aparece uma mulher (ou grupo delas) na televisão ou em qualquer lugar para falar da copa, só o que se pergunta e se fala é da beleza e do físico dos jogadores. E todo mundo fica bobo de ver e até bate palminha se alguma sabe, sei lá, o que é um escanteio.
Se continuarmos nos comportando como crianças pouco inteligentes, vai ser difícil sermos tratadas de outra forma, e aí não falo só de futebol.
Voltando à escalação, eu não tenho dúvidas de que poderia decorá-la. Passei no vestibular e no Enem com muita decoreba, diga o governo o que quiser a respeito. Só que, decorando ou não decorando, eu teria de continuar lidando com esse ciclo interminável de perguntas de futebol que existem, e numa delas (como aconteceria com qualquer ser humano, independentemente do sexo) acabaria tropeçando.

"Aí, viu?".