segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Óculos de Drummond

Ainda muito nova vesti os óculos de Drummond, e nunca mais os tirei da cara. Desde então, esse costume adquirido de ver o mundo por detrás de suas lentes me acompanha, e estou quase certa de que irá comigo até a morte. Carlos Drummond está comigo assim como o ar à minha volta: a todo o tempo está ali, mas ocasionalmente, de súbito, tomo ciência da sua presença ao respirá-lo. Sinto o pulso do poeta a conduzir cada palavra que escrevo. Sinto a lâmina afiada de seus versos perfurar meu peito e atingir, fulminante, o coração.
O poeta está comigo quando caminho nas ruas de pedra de Valença, minha Itabira, e quando, no Rio, paraliso de surpresa e encanto sempre que vejo o mar. O poeta está comigo na força da memória, que não deixa cair da lembrança suas palavras. O poeta está comigo quer eu veja processos ou antologias, e tudo isso vejo partindo de seus óculos.
O poeta está comigo.

"(...)Tão simples reconhecê-lo, toda identificação é vã. O poeta levanta seu copo. Levanto o meu. (...) Falando em voz baixa nos entendemos, eu de olhos cúmplices, ele com seu talismã."

Drummond, 'Quintana's Bar'.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Venda nos olhos

Outro dia eu estava indo à faculdade levando um vade mecum nos braços. Fazia o caminho habitual quando quase esbarrei em um homem dormindo na calçada. Estava diretamente no chão, profundamente adormecido, ali, em meio ao barulho dos carros, à sujeira e ao ir e vir das pessoas a seu lado. Eu olhei para aquele homem e essa imagem me pareceu irônica, quase sádica: eu, saindo de casa alimentada e vestida, levando a Lei que me assegura que aquele homem tem os mesmos direitos que eu, e ele ali no chão.
Eu passei ao lado desse senhor carregando quilos de páginas impressas com símbolos que ele provavelmente desconhecia, e que garantem que ninguém neste país pode ficar em situação semelhante. Eu iria para a sala de aula, sentar-me em suas cadeiras e ouvir sobre a igualdade, a sociedade, a justiça, e aquele homem continuaria ali, deitado no chão.
Nunca as amarras metafóricas me pareceram tão reais e tão fortes. De repente, a imagem da Justiça cega me pareceu muito mais lógica.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Alvorada


Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Precisa um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba, não
(...)
Fazer samba não é contar piada
Quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração

Vinicius e Baden

O samba não é consolo, não senhor. O samba não é para alegrar ninguém. O samba é companhia pra quem tem dor. Eu não acredito neste samba novo, todo cheio de festas, de trocadilhos. Um samba não é para te distraíres. O samba é redenção.
Redenção, sim. Eu disse que o samba não é para alegrar, mas não disse que ele não cura a dor. Sim, porque para a dor passar, não tem saída: remédio é vivê-la. E eis a dor no samba, lírica e pura, sem ostentar tristeza pra ninguém. Uma dor bela e sem luxo, que na sua simplicidade busca somente desaparecer. Como uma lágrima.
Acho que a vida da gente devia ser assim feito o samba. Demonstrar alegria quando se está contente e tristeza quando infeliz, sem depender de motivos extraterrestres para um sentimento ou outro, reconhecendo que todo mundo vive e viverá ambos, religiosamente da mesma forma. Sim, porque o sentimento iguala a todos, e o que fez Cartola rir ou chorar ontem, é o que nos fará chorar ou rir amanhã.
E o mais importante: a plena consciência a cada alvorada de que é melhor ser alegre que ser triste, que alegria é a melhor coisa que existe. E a vida é isso aí mesmo.




Olá, gente bonita! Este Banquinho fez três anos semana passada, mas está tão novinho que ganhou até página no Facebook! Está aí o link, pra quando tiverem um tempinho https://www.facebook.com/pages/O-Banquinho/250774584961029

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Por que Quintana não se casou?




Porque nasci atrasada, ora bolas!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Orgânico

Quem me conhece, conhece os meus poetas.
Nas minhas veias corre caligrafia,
corre tinta de suas canetas.

Músculos, tendões, junções de ossos:
tudo rima, tudo letras.
Aspiro verso, expiro prosa.
Coração bate métrica.
Olhos, boca, ouvidos,
Infinitude de sentidos
Cheiram, engolem, sentem
Lirismo.

A poesia não vem de mim
Eu é que vou para ela.
Não sou poeta:
Eu sou da poesia.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Medieval

A imagem que estão pintando da feminista hoje é solitária, amarga, feia, de cabelo desgrenhado, roupas estranhas e verruga no nariz.

Só falta um chapéu de bruxa.
E uma fogueira.





16 de junho
Ps.: Agora além do blog estou alimentando um tuíter. Quando tiverem um tempinho, passem por lá! http://twitter.com/#!/60sLaila
Até mais!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Grunhido

"Não tenho nenhum sentido político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a pagina mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como escarro direto que me enoja independentemente de quem o cuspisse."
Fernando Pessoa.
Em: O livro do desassossego

Tomei a liberdade de postar o parágrafo do mestre Pessoa de acordo com a otrografia vigente no Brasil. Radicalismos à parte, muito me orgulha falar português. E mais ainda que seja essa minha língua nativa. Fico decepcionada, então, com o descaso com que tenho visto meu idioma ser tratado. Não falo do português mal escrito, que disso vou falar depois. O que estou vendo é um desprezo total não só pela forma de escrevê-lo, mas pela língua em si. Digo, pela ideia de falar português. É como se a língua portuguesa fosse um dialeto de segunda categoria, inferior aos idiomas das grandes potências, como o inglês ou o francês.
Encontrei recentemente uma professora que, encantada, dizia haver uma faculdade de Direito no Brasil em que os alunos liam apenas textos em inglês, espanhol e alemão até o quarto período, só começando a ler alguns em português a partir daí. Dizia isso argumentando que assim a faculdade preparava melhor seus alunos.
Vi também uma certa famosa justificando erros grotescos da filha, dizendo que a mesma tinha sido "alfabetizada em inglês". Não consigo ver outro motivo além do exibicionismo para alfabetizar em inglês uma criança que vai ouvir e falar português em sua casa, em sua escola, entre seus amigos e sua família. Parece justo que se fale um português pífio, desde que se tenha um inglês fluente e fale mais uma ou duas línguas.
Pelo menos para mim, é melhor saber um idioma decentemente que três de forma rasa. Já falei aqui minha opinião sobre o vocabulário e o pensamento. E o importante não é só pensar, é exprimir esse pensamento.
Quanto ao português escrito de forma não ortodoxa, minha humilde opinião é a seguinte: ele é aceitável quando falado por quem não teve a oportunidade de aprender a norma culta e em licenças poéticas. Fora isso, poder aprender e não querer fazê-lo é ignorância. E mais ainda é aprender e continuar falando e escrevendo da mesma forma que antes.
Já sobre a tão difundida "linguagem da internet" e seus axus, naums, kzas e afins só posso dizer o que Saramago já disse: "De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido".

Essa valorização da ignorância acaba por desvalorizar o que a língua tem de melhor. De tantas bandeiras erguidas contra os palavras rebuscadas, eis os clássicos renegados e tachados de "velhos, prolixos e distantes da realidade". Mais: qualquer um que escreva uma sentença mais longa ou use uma palavra diferente vira pedante, apelativo.
Me lembro de certas apostilas preparatórias para as redações de vestibular dizendo que a banca não via com bons olhos redações escritas "fora do padrão de vocabulário de um jovem". Me pergunto que espécie de padrão estão esperando.
A língua é viva sim. E passa pelas suas transformações no decorrer do tempo. É o amadurecer natural do idioma. Não dá é para reconhecer as doenças passageiras e as cirurgias plásticas radicais pelas quais ela vem passando como parte dessas "transformações naturais".
Assumo meu conservadorismo. Já podem atirar-me as pedras.

terça-feira, 8 de março de 2011

Espécie ainda envergonhada

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado


Uma coisa que está me incomodando são essas propagandas de remédio para cólicas menstruais que fazem parecer que a mulher vira um bicho uma vez por mês. Parece sem grandes consequências e até cômico, mas pense: quando um empregador tem que escolher entre dois profissionais igualmente capacitados, um homem e uma mulher, qual dos dois será que ele escolheria para ocupar um cargo? Uma funcionária que se apresenta absolutamente descontrolada e raivosa uma semana a cada quatro deve ser muito menos produtiva, certo? Mais triste ainda é a mulher que se aproveita da tpm como desculpa para seus dias ruins (que todo mundo tem). Dessa forma, ela reforça o estigma e ainda dá motivo para a colossal injustiça que é o fato de as mulheres ainda ganharem menos que os homens numa mesma função.

No dia da mulher, aparecem várias imagens de mulheres exercendo "profissões de homem": bombeiras, mecânicas, caminhoneiras, presidentes. E de repente parece que o mundo é das mulheres e todas as lutas foram ganhas. Ora, já temos direito de votar, podemos exercer "profissões masculinas", já temos até "presidenta"! Queremos mais o quê?

Só o fato de terem de mostrar as imagens dessas "guerreiras" já mostra que o preconceito existe e é grande. Ninguém mostra foto de homens que exercem "profissões femininas". E provavelmente achariam muitíssimo indelicado fazer propaganda de negros exercendo "profissões de branco" e vice-versa. Não é?

E tem mais! Será que as mulheres que "lutam pelos seus direitos" são só as que resolvem seguir um caminho profissional em que são minoria? Será que as donas-de-casa, professoras primárias, enfermeiras e manicures deste mundo são "mulherzinhas"? Conformadas?

Não infantilizemos o feminismo. O que as mulheres querem não é ser aprendizes de homens. Nós temos um gênero próprio! A verdadeira revolução passa pela escolha da profissão, mas não se restringe a ela. Pra ser mulher de verdade, não é preciso ser superexecutiva nem rainha de bateria. Os sutiãs já foram queimados e voltamos usá-los. A luta só acaba no dia em que não precisaremos mais carregar bandeiras (ainda que metafóricas). Aceitar e ser aceita. Simples assim: "Sou mulher". Reconhecer suas forças e fraquezas e lidar com elas. Natural como um nascimento, inevitável como a morte. Antes de sermos engenheiras, esteticistas, advogadas, cozinheiras, empregadas, freiras, motoristas, somos mulheres. Vamos cumprir a nossa sina.

Somente na hora em que a genuína essência do feminismo for compreendida e aceita, a mulher vai poder pilotar o que bem entender - sejam espaçonaves ou fogões - sem precisar armar cavalos de batalha nem empunhar bandeiras.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Carta a Cecília

Querida Cecília,
Pode parecer estranho que eu, viva, escreva para ti, morta; mas não é mais estranho do que tu, viva, escreveres para mim, que sequer cogitava nascer. Certo?
Não sou poeta, na verdade nunca fui, embora tenha gostado muito de achar que o era, quando mais nova. Digo, porém, que gosto imensamente de poesia, e isso se deve primeiramente a ti. Te conheci por acaso, aos oito anos, e não penses que foi por "ou isto ou aquilo" ou "leilão de jardim", não! O primeiro poema teu que li foi no jornal, e hoje infelizmente não me lembro mais do nome e nem de qualquer verso, mas era sobre uma dama que caminhava em direção à guilhotina ou à forca, enfim, à morte. Achei bonito, mas muito triste, e quando mais tarde tive de escolher um poema teu para decorar para o trabalho da escola, escolhi "ou isto ou aquilo", como todos os outros da minha sala.
Então, com esse poema belo e triste, entraste na minha vida e de lá nunca mais saíste. Minha madrinha me emprestou um livro teu, que foi o meu primeiro livro de poesia e que, naturalmente, nunca mais devolvi (não que ela tenha cobrado, é claro. Aliás, ficou até muito orgulhosa por eu ter gostado tanto).
Fiz, assim, minha primeira incursão pela poesia, e conheci meninas pintadas, cavalos mortos e rosas atiradas.
Chorei com tua "Elegia" e sorri com o ovo azul. E quando subi (literalmente) em um banquinho para homenagear minha mestra, foi "Aluna" que li.
Ah, Cecília, me acompanhaste a vida inteira.
Depois de ti, os outros poetas que conheci eram quase todos homens: Carlos, Vinícius, Mário, Manuel, Olavo, Augusto e os outros todos.
Além de ti conheci também Adélia, e com ela senti e aprendi muito.
Mas se a poesia hoje é para mim o que é, é graças a ti.
Acho que não poderia ter-me iniciado de maneira melhor. Se tivesse começado com outros poetas mais modernos, talvez não desse o devido valor à forma. Ou, se meu primeiro livro fosse de poemas menos profundos, talvez eu nunca tivesse tido real vontade de aprofundar-me. Ou, ainda, correria o risco de não ver na poesia a alma feminina que existe até nos escritos dos homens.
A poesia deu sentido à minha vida, e tu deste sentido à poesia desde sempre.

Eternamente grata,
Laila.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Roupas coloridas e disparates

De uns tempos pra cá, tenho visto um movimento revolucionário anti "gente colorida" que só faz crescer nas redes sociais. Eu, sinceramente, prefiro as cores neutras e tenho horror declarado às músicas das bandas desse tipo, mas não vejo sentido nessa revolta toda.
Comunidades como "por um mundo mais preto e branco" (!) me chamaram a atenção. Notei também que os maiores discordantes do que agora chamarei de movimento colorido são as pessoas que apreciam o rock.
Ora, quando o rock'n'roll lançou sua estética inovadora, com homens que usavam cabelos compridos, calças justinhas de couro e até salto alto, e tudo preto, muito preto, creio que deva ter causado um estranhamento até superior a esses bizarros tênis de cadarços fluorescentes. E o movimento hippie? Existe algo mais colorido?
No entanto, parece que as mentes de muitos jovens "roqueiros" (detesto essa expressão) envelheceram e se tornaram caretas, isso sim. Ora, revolução certa é só a sua?
Posso particularmente não gostar das roupas e músicas coloridas, mas acho totalmente plausível que surjam novos grupos de pessoas usando e ouvindo coisas diferentes. Qualquer movimento está sujeito à modinha. Socialites já se vestiram como punks quando a alta costura decidiu que isso era o "must" da época (e vira e mexe isso volta). Então, mesmo que haja gente se vestindo dessa maneira "só para aparecer", é legítimo. Afinal, a intenção é justamente aparecer mesmo, chamar a atenção.
Além do mais, esse movimento colorido tem como principais adeptos as crianças (para mim, meninos e meninas de 12 anos são crianças, sim!). Ora, não só é adequado, como também até recomendável, que crianças vistam-se de forma alegre e ouçam músicas sem muitos dramas além dos amores juvenis. Haverá muito tempo para as cores sóbrias e os grandes questionamentos sobre a própria personalidade e os rumos do mundo no futuro, pode acreditar. Eu própria cresci escutando a Xuxa e assistindo aos Ursinhos Carinhosos e hoje sou uma jovem em perfeito estado de sanidade mental.
Aliás, quanto a esses movimentos novos, tenho muito mais simpatia pelos "restartianos" da vida que pelos emos. Pelos menos os primeiros me parecem mais alegres e menos rebeldes sem causa. Muito mais condizente com sua idade e condição de vida (eu, pelo menos, nunca vi um emo ou colorido passando dificuldades).
E digo mais: essa moda de agora também tem o fator positivo de não "sexualizar", digamos assim, as crianças antes do tempo.
Eu, pelo menos, fico mais consolada em saber que as meninas de 12 ou 13 anos deste mundo estão sentadas diante de seus computadores assistindo pela milésima vez ao Justin Bieber em sua performance de Baby, oooooohh e não à Lady Gaga se contorcendo de lingerie.
Não é?