quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Corcundas


"Nem toda feiticeira é corcunda,
Nem toda brasileira é só bunda"
Rita Lee

Quer saber? Eu acho que o debate sobre o conceito de dignidade feminina transcende em muito os vestidinhos. Transformaram a moça da Uniban numa semi-mártir do movimento feminista. Ora, façam-me o favor! Que história é essa de ela simbolizar a "nossa luta" ou "nossos direitos"? Nossos quem, cara pálida? Se a luta do movimento feminista hoje é pelo "direito" de usar nanovestidos, eu estou fora.

A atitude dos estudantes da universidade bandeirantes foi sem dúvida absurda. Vai dizer que eles nunca viram uma mulher com menos roupa ainda? Agora, daí a transformar a moça que em entrevista disse que o que queria era "ficar gostosa" em heroína é outra história.

Não me entendam mal. Todo mundo deve vestir o que bem entende, até porque o tempo do Jânio já passou e (que eu saiba) não tem nenhuma lei regulamentando o comprimento de vestidos em faculdades nem em lugar algum. Cada um sabe quantos centímetros de pano mede o seu respeito.

De fato, o "calor dos trópicos" (argumento mais usado pelos defensores das nanovestimentas) torna impraticável sair de casa de calça comprida no verão. Porém, o bom senso também mandou lembranças e as pessoas têm consciência de que não se pode trabalhar de biquíni nem sunga e que fica mal para um profissional chegar no serviço de shortinho e chinelo se você não trabalha de ambulante na praia.

O fato é que esse debate me parece muito mais machista que feminista. Afinal, mesmo no tal "calor dos trópicos" ninguém nunca fez um escarcéu desses para defender a ida de homens descamisados às faculdades.

E o mais aleatório de tudo foram os estudantes da UNB querendo atestar toda a sua superioridade cultural em relação aos da Uniban aparecendo nus em protesto.
Deviam oferecer uma vaga para a Geisy Arruda lá.
Ela também vai tirar a roupa.
Só que, diferentemente deles, ela vai ganhar para isso.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Falando difícil 2 - O vocabulário e o sentimento


Diferentemente da articulação do pensamento, o sentimento não precisa de vocabulário amplo para se manifestar. Pelo menos não um tipo: o sentimento "concreto". Estranho, não?

Como provavelmente a maioria vai lembrar, todo mundo classifica qualquer sentimento como "substantivo comum abstrato simples ou composto". A tia da 4ª série vai ficar orgulhosa. E além do mais está certíssimo. Mas tirando a classe gramatical e pensando somente nos sentimentos mesmo, eles poderiam ser classificados em dois tipos: o abstrato (ou descritivo) e o concreto.
Sem chavões, ok? Todo mundo sabe que a função do coração é bombear sangue e que a gente sente é com o cérebro mesmo. Como o que vem do cérebro é pensamento, o silogismo de que os sentimentos são um tipo de pensamento parece bem aceitável. Certo. Mas será que uma pessoa de grande bagagem lexical sente do mesmo jeito que uma que se restringe a uma simples frasqueira de vocabulário?

Aí é que está. O sentimento "concreto" é o que se materializa a partir de ações concretas. Recorrendo (como de costume) à literatura, temos que o Fabiano de Vidas Secas, por exemplo, tem um vocabulário pífio. Porém, possui uma sentimentalidade complexa. Seus sentimentos são baseados em coisas palpáveis. A admiração que ele tem por Sinhá Vitória é clara, mas em momento algum ele ou o autor citam esta palavra ou qualquer outro sinônimo. Fabiano admira sua mulher porque ela sabe fazer contas, "tem miolo" e é bonita. E isso tudo é bom. Ele gosta dela por esses e infinitos outros motivos, todos eles concretos. Tampouco o sertanejo de Graciliano Ramos expressa oralmente seu agrado. Suas manifestações são tembém concretas, ainda que mentais. Ficou complicado. São concretas porque todas teriam uma materialização possível, aconteça ela ou não. Por exemplo, recompensar a beleza da esposa (que ele vê) com uma roupa encarnada ou uma saia de ramagens (que existem).

Agora, quanto mais uma vocabulário uma pessoa adquire, com mais detalhamento pode descrever seus sentimentos (para si ou para os outros). Daí vêm os sentimentos descritivos, isto é, que são sentidos da mesma maneira, mas por serem decompostos e analisados ficam cada vez mais abstratos, e por consequência mais próximos da razão e mais distantes do instinto. O sentimento descritivo nem precisa ser exclusivo da pessoa: por exemplo, alguém que nunca foi traído pode ter noção da angústia (embora não senti-la por completo) ao ler Dom Casmurro. Várias situações que o indivíduo não viveu podem ser virtualmente sentidas ao ler uma descrição bem feita.

Portanto, o sentimento concreto é completamente independente do vocabulário, enquanto o abstrato torna-se mais e mais desenvolvido na mesma proporção que este, ficando - embora menos intenso que o concreto - mais amplo e mais compreensível.


"(...)Agora Fabiano percebia o que ela queria dizer. Esqueceu a infelicidade próxima, riu-se encantado com a esperteza de Sinha Vitória. Uma pessoa como aquela valia ouro. Tinha ideias, sim senhor, tinha muita coisa no miolo. Nas situações difíceis encontrava saída. Então! Descobrir que as arribações matavam o gado! E matavam."

Cap XII, O Mundo Coberto de Penas, Vidas Secas, Graciliano Ramos.