quinta-feira, 27 de novembro de 2008

De capitais e orelhas

As vacas voam devagar, porque elas gostam é da paisagem
Mario Quintana

Já tem um tempinho que li em um blog [se o proprietário vier aqui me avise, mas realmente não me lembro qual foi] um texto no qual o moço dizia que gostaria de ler todas as orelhas de livros do mundo. Que esta seria a volta ao mundo dele.
Isto me lembrou de um ponto de vista que descobri depois de ler Júlio Verne. Eu iria detestar dar a volta ao mundo em 80 dias.
Não me entendam mal, não é que eu não goste de viajar. Mas eu acho que cada país tem tanto a se conhecer, explorar, descobrir, aprender, que uma passagem rápida [ou mesmo distante, no caso das aéreas] jamais seria suficiente para essa sede imensa que eu tenho do mundo. Seria como um único gole para uma garganta seca: só traz mais sede.
É a mesma coisa com os livros. Eu me imagino abrindo um livro, lendo a orelha, achando interessante e passando para o próximo. Não conseguiria. Nessa viagem superficial de orelhas e capitais, me perderia na vontade de ler o país inteiro, visitar o livro completo. E aquela saudade de certos livros e lugares que tantas vezes nos leva todas as férias à mesma cidade, e diversas vezes ao mesmo livro. Para quem quer conhecer tudo, seria perda de tempo.
Decorar passagens, descobrir lugares especiais além dos pontos turísticos: não há tempo, não há tempo!
Hoje, me imaginando no dia 81, de volta à minha casa, deitaria na minha cama, no meu quarto, lembrando da torre Eiffel e da de Pisa, da Estátua da Liberdade e das Pirâmides de Gizé e me sentiria incompleta. Talvez porque quisesse parar num café qualquer do Champs-Eliseés e olhar o tempo, porque gostaria de ter parado no pé da Esfinge até decifrá-la. Porque gostaria de ver tudo, e me contentaria com um único país que fosse. Se fosse para ser completo.
O mesmo para os livros. Ainda que fosse para ler somente um autor: ler tudo, entender, decorar.
Só o que é pleno me satisfaz.


Tá, não foi dos melhores que eu escrevi. O clássico da "boa idéia não devidamente aproveitada" mas dêem uma folga, minhas férias começam tecnicamente amanhã. Vai vir coisa melhor, garanto.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Livro "miojo", livro "macarronada"

Outro dia estive conversando com uma amiga que começou a ler Gossip Girl. Isso me lembrou de uma comparação que a minha professora de português do ano passado fazia: os livros "miojo" e os "macarronada".
Imagine uma macarronada. Aquela mesmo, de domingo, que a vovó faz a massa três dias antes, deixa descansar, faz o molho, rala o queijo, tempera e serve na travessa mais bonita. Quando você come uma macarronada, ela te sacia, te preenche por completo. Não dá para comer macarronada todo dia, dá muito trabalho, mas vale a pena.
Agora imagine um miojo. 3 minutos para fazer, tempero pronto, massa pronta, tem sempre o mesmo gosto, até criança faz.
É a mesma coisa com os livros. Se quiserem exemplos para ilustrar, no cenário nacional um autor "macarronada" poderia ser o Guimarães Rosa ou a Raquel de Queirós. Autor miojo acho que todo mundo já pensou. É, ele mesmo.
No internacional o campo é mais variado. Nietzsche [agora está certo], Kafka, Saramago rendem boas macarronadas, enquando os "enlatados" americanos (aqueles, com líderes de torcida louras metidas, meninas feias que se transformam e coisas parecidas) são os cup noodles.
Mas será que é certo crucificar os leitores miojo? Será que dá pra viver só de macarronada? Cada um tem a sua opinião. Minha professora era a favor da macarronada total (desde que o aluno tivesse condição de apreciá-la como se deve). Até porque, tem gente que não dá o devido valor a um prato bem feito.
Nesse ponto divergíamos. Porque eu sempre acreditei que cada um deve ler o que quiser. Embora seja a favor do equilíbrio. Varie. Devore seu Espinosa e descanse lendo, sei lá, um Harry Potter. Detesto esse preconceito elitista contra best sellers.
"O povo só lê bobagem". Antes bobagem que morrer de fome. Este ano li desde o Diário da Princesa (o nono!) até Maquiavel, e não acho que estou entalada nem desnutrida.
O Segredo da leitura é ter lucidez suficiente para discernir, se é que me entendem.


Desculpem pelo abandono, semana de provas é sempre a mesma coisa: devaneios demais, tempo de menos (de muito menos!). Achei tão divertido misturar leitura e culinária que repeti a dose. Bon appetit!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Redação "receita-de-bolo"

Bom dia, bom dia!
Hoje vamos aprender uma nova receita: redação!
Podem pegar seus bloquinhos e anotar: é sucesso garantido neste fim de ano.
Excelente para jovens em dieta de restrição de criatividade.

Tempo de preparo: Uma hora

Ingredientes:
Título: 1 sustantivo, artigos e pronomes a gosto.
Massa: 4 parágrafos grandes ou 5 do menor picadinhos em 30 linhas.
1 folha de resposta e 1 rascunho limpo.

Modo de fazer:

Unte a folha de resposta com duas margens de uns 2 cm cada.
A redação pode ser feita no seu sabor preferido, mas é bom consultar os convidados sobre o que eles preferem. Geralmente esta informação está em um livreto chamado Caderno de Prova.
Pegue o rascunho e bote 4 forminhas de parágrafo. Encha cada uma com sete linhas. Guarde as duas linhas que sobrarem para a camada de fianlização.

A primeira camada deve ser de um breve histórico. Faça uma breve descrição sobre o sabor pedido pela banca através dos séculos. Pode salpicar com uma ou outra citação. Quando não souber o ponto do início, pode usar um "muito se discute sobre" ou um "é grande a polêmica" para dar liga.

Na segunda forminha, surpreenda seus convidados cobrindo com um pouco de contexto atual. Passe um "nos dias de hoje" ou um "atualmente" e junte com as receitas que têm saído nos jornais e revistas que você compra e principalmente nos programas de televisão.

No Caderno de Prova existem algumas palavras, citações e textos que você pode usar na terceira forminha. Muito cuidado nesta parte. Escolha os seus preferidos, corte cada um, misture bem e bata em neve, para poder tirar o gosto dos textos da proposta.

Na quarta e última camada está o segredo do sucesso desta receita. Passe cuidadosamente um "Portanto, conclui-se que" e use alguns dos aromas da primeira camada. Não esqueça de decorar com uma solução bem bonita e dar uns ares verde-amarelos na forminha.

Passe a receita do rascunho para a folha de resposta, com cuidado para não derramar nas margens. Cubra com o título. Voilà!

Obs.: Guarde suas citações importadas, os convidados não costumam gostar. Não fique dizendo "eu isso, eu aquilo, eu acho": seja humilde!
Receita testada e já aprovada por diversas unidades de ensino superior no Brasil.


É favor citar a fonte se copiar. Muito grata, Laila.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Pneumotórax, falência múltipla dos órgãos

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Manuel Bandeira

Não, não estou pensando em fazer vestibular para Medicina. É apenas mais um devaneio inofensivo.

Eu sempre quis morrer de velhice. Com uns 90, 100 anos, cabelo branquinho e dormindo. Acontece que hoje ninguém mais morre de velhice. É falência múltipla dos órgãos. Acho que os médicos devem achar um insulto dizer "morreu de velhice", afinal velhice não é doença. Mas com este nome tão bonito eles destruíram não só o meu projeto, como o de muita gente, aposto!

Semana passada (acho que foi) deu no jornal sobre a menina encontrada morta na mala em Curitiba. E logo depois de dizerem que ela foi espancada e violentada disseram: ela tinha ganhado um concurso de redação na semana anterior. Não me chamem de apelativa sensacionalista, mas fiquei triste de verdade. Porque fiquei imaginando aquela menina toda orgulhosa, exatamente como eu me sentia na mesma semana que ela, pelo mesmo motivo. Imaginei a mãe dela dizendo "boa noite, escritorinha" e ela com grandes sonhos de um dia realmente virar escritora e viver daquilo.

Ok, chega.

O que me veio à cabeça é que é tudo tão estranho. Eu imagino um poeta na rua sendo assaltado. Imagino: Grande Poeta é Atingido na Testa por Bala Perdida. Ou eles são realmente raridades ou são incrivelmente sortudos, afinal todo mundo só consegue imaginar escritores morrendo de amor ou de tuberculose. Temo pela vida dos imortais. E a sua e a minha também. Desculpem pelo que eu fiz vocês lerem desta vez: um texto mórbido para um assunto mórbido. Toquem um tango argentino para ele.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Me perdoem a recente falta de devaneios. Os hidrocarbonetos são muito ciumentos, de modo que a culpa não é (totalmente) minha.
Bom, eu nunca entendi porque as pessoas levam realmente a sério tudo que eu falo, inclusive as ironias. Ou eu não sei ser irônica (bem provável) ou sou convincente demais. O fato é que ontem um menino da 5ª série veio falar comigo no intervalo da manhã:
_Ah, eu vi que você ganhou o negócio lá da redação.
_Pois é.
_Sobre quem foi?
_Foi sobre o Oscar Niemeyer.
_Você conhece ele?
_Conheço, ele foi lá em casa semana passada.
_Só porque você ganhou, né?
_É, ele gostou muito.
O menino ficou com uma cara de "ah, nada demais conhecer o Niemeyer".
Depois voltou.
_É sério?
_Não.