quinta-feira, 2 de junho de 2011

Grunhido

"Não tenho nenhum sentido político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a pagina mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como escarro direto que me enoja independentemente de quem o cuspisse."
Fernando Pessoa.
Em: O livro do desassossego

Tomei a liberdade de postar o parágrafo do mestre Pessoa de acordo com a otrografia vigente no Brasil. Radicalismos à parte, muito me orgulha falar português. E mais ainda que seja essa minha língua nativa. Fico decepcionada, então, com o descaso com que tenho visto meu idioma ser tratado. Não falo do português mal escrito, que disso vou falar depois. O que estou vendo é um desprezo total não só pela forma de escrevê-lo, mas pela língua em si. Digo, pela ideia de falar português. É como se a língua portuguesa fosse um dialeto de segunda categoria, inferior aos idiomas das grandes potências, como o inglês ou o francês.
Encontrei recentemente uma professora que, encantada, dizia haver uma faculdade de Direito no Brasil em que os alunos liam apenas textos em inglês, espanhol e alemão até o quarto período, só começando a ler alguns em português a partir daí. Dizia isso argumentando que assim a faculdade preparava melhor seus alunos.
Vi também uma certa famosa justificando erros grotescos da filha, dizendo que a mesma tinha sido "alfabetizada em inglês". Não consigo ver outro motivo além do exibicionismo para alfabetizar em inglês uma criança que vai ouvir e falar português em sua casa, em sua escola, entre seus amigos e sua família. Parece justo que se fale um português pífio, desde que se tenha um inglês fluente e fale mais uma ou duas línguas.
Pelo menos para mim, é melhor saber um idioma decentemente que três de forma rasa. Já falei aqui minha opinião sobre o vocabulário e o pensamento. E o importante não é só pensar, é exprimir esse pensamento.
Quanto ao português escrito de forma não ortodoxa, minha humilde opinião é a seguinte: ele é aceitável quando falado por quem não teve a oportunidade de aprender a norma culta e em licenças poéticas. Fora isso, poder aprender e não querer fazê-lo é ignorância. E mais ainda é aprender e continuar falando e escrevendo da mesma forma que antes.
Já sobre a tão difundida "linguagem da internet" e seus axus, naums, kzas e afins só posso dizer o que Saramago já disse: "De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido".

Essa valorização da ignorância acaba por desvalorizar o que a língua tem de melhor. De tantas bandeiras erguidas contra os palavras rebuscadas, eis os clássicos renegados e tachados de "velhos, prolixos e distantes da realidade". Mais: qualquer um que escreva uma sentença mais longa ou use uma palavra diferente vira pedante, apelativo.
Me lembro de certas apostilas preparatórias para as redações de vestibular dizendo que a banca não via com bons olhos redações escritas "fora do padrão de vocabulário de um jovem". Me pergunto que espécie de padrão estão esperando.
A língua é viva sim. E passa pelas suas transformações no decorrer do tempo. É o amadurecer natural do idioma. Não dá é para reconhecer as doenças passageiras e as cirurgias plásticas radicais pelas quais ela vem passando como parte dessas "transformações naturais".
Assumo meu conservadorismo. Já podem atirar-me as pedras.

15 comentários:

Abner Martins disse...

Concordo plenamente com você. Penso que ao escrever, devemos ter um padrão, não qualquer coisa jogada nas teclas ou rabiscadas pelas canetas, salvo as licenças. Todos falamos português, mas devemos entender que nossa língua é variante, e não existe este ou aquele que fale errado ou certo, falamos diferente.
Sobretudo, discordo quando você diz: "...Já sobre a tão difundida "linguagem da internet"" e "...Essa valorização da ignorância acaba por desvalorizar o que a língua tem de melhor. De tantas bandeiras erguidas contra os palavras rebuscadas,".
Penso que não descemos tantos degraus assim, porque se algumas pessoas abreviam sua palavras no teclado, é pq têm ciência do que está fazendo, sabe o q está fazendo. o importante é não alfabetizar dessa forma. Aí sim é burrice!

beijos

abnerlmesmo.blogspot.com
abnerbaptiste@yahoo.com.br

Laila disse...

Oi Abner!
Acho que você está certíssimo. Atente para os exemplos que dei quando falei da linguagem da internet. Uma coisa é abreviar o básico "vc, pq, tbm, etc", outra completamente diferente é trocar não por naum ou acho por axu.
ps.: nem todo mundo que escreve errado ou abrevia sabe o que está fazendo, pode acreditar!

Isadora disse...

Concordo também,devemos seguir normas,de acordo com as variações da línguas e suas constantes mudanças.
Acho que essa questão de abreviação na internet também é bem relativo,há alguns que fazem conscientes de tal ação e outros que fazem por simples modismo ou para se adequarem a determinado grupo social.Também concordo que em determinados casos como esse, isso se torna uma espécie de banalização da língua,ao ponto de simplificá-la tanto,que não mais se entende o que está escrito.

Ps: Acho que você vai gostar desse link: http://nossalinguabrasileira.wordpress.com/2011/05/28/nossa-resposta-aos-jornalistas/

Edison Waetge Jr disse...

Ótimo texto, Laila! Assino embaixo.

Marisa Amante disse...

"Para mim o Português era um latim falado por bebês, velhinhos... pessoas que não tivessem dentes! Se essa gente tivesse dentes, como poderiam ter perdido tantas consoantes?" - Clausewitz em "Tempos de Paz"

Não me incomodam essas mudanças no português. Já foi tão modificado. Acho as regionalidades particularmente bonitas. Da internet, acho que só sobrevivem as abreviações, os estilismos não. Só não gosto que essas mudanças sejam feitas sem o devido amor ao português - amor, sem conservadorismo. São antenas demais e raízes de menos, nos falta orgulho. O português é lindo demais.

Laila disse...

Nossa, Marisa, falou TUDO! Seu comentário vale um post.

Matheus R. disse...

Ola, muito interessante seu blog! Da uma passadinha no meu, se quiser seguir , fike a vontade e eu agradeço! ;D

http://tantascoisa.blogspot.com/

Sucesso pra vc!

Um brasileiro disse...

ola. tudo blz? estive por aqui dando uma olhada. muito legal. gotei. apareça por la. abraços.

Lisergy Wyrebuss disse...

Srta,

Seu texto traz um bela argumentação em favor: primeiro, da valorização da língua portuguesa, como elemento importante da nossa identidade; segundo, do falar e do escrever de forma inteligível de acordo com o meio em que se insere o sujeito que fala ou escreve; terceiro, da norma culta estabelecida para os que dela podem tomar conhecimento.
Não vejo conservadorismo nisto. Não sei se concordo com toda a sua argumentação, mas - veja como são as coisas - muito da sua funcionalidade (ou poder persuasivo) reside justamente no fato de ter sido bem redigida.
Alegra-me, sobretudo, o fato de ter recorrido ao mestre Pessoa em seu preâmbulo.
Isto também me faz recordar que os anglo-saxões (de ambos os lados do Atlântico), que até hoje não formalizaram uma norma culta para o idioma deles, costumam recorrer a Shakespeare ou a Joyce quando sentem a necessidade de "modelos".
Mas cada povo, cada cultura. A tradição anglo-saxã (este negócio ainda se escreve com hífen?) é consuetudinária. O costume se sobrepõe ao que está escrito. Nossa cultura, mais franco-napoleônica, tem uma tendência maior à positivação.
Ainda assim, sou de opinião que é muito mais belo consultar Pessoa do que manuais.
Parabéns, srta.

Laila disse...

Professor,
Continuo chamando-te assim mesmo anos depois de deixar sua sala de aula porque continuo aprendendo contigo, e sou muito grata por isso.
O grande barato de ter um blog não é só o passar conhecimento, é recebê-lo.
Estou já cansada de ver sobre a cultura consuetudinária dos povos anglo-saxões, mas NUNCA teria pensado que essa tradição se projeta muito para além do Direito, abrangendo até mesmo a linguagem!
Ganhei o dia com seu comentário.

Fernando disse...

Se incomodaria se lhe tacasse louros, no lugar de pedras?

Anônimo disse...

GOSTO DO FERNANDO PESSOA.Obviamente de suas obras.
E passando aqui,sentei no banquinho por uns minutos para ler....e escutar.
Passe no meu Palácio as Letras.
Também sou da área de direito.
Bom fim de semana.

Luís Freitas disse...

Mais assustadora que a crise económica iminente que assombra Portugal, é a crise de valores e a era da ignorância que paira por cá, onde cada vez mais os jovens se desinteressam pela facilidade de conhecimentos que lhes é dado, onde cada vez mais se desinteressam pela língua, assassinando-a por vezes e o pior, onde cada vez mais se sentem confortáveis com isso.

Karolline Paiva disse...

Eu ficava realmente espantada com essas regras do vestibular que nao podiamos escrever de maneira rebuscada! minha disciplina preferida na escola sempre foi redação e fui adquirindo tal amor pela literatura, que hoje tbm escrevo. chega então uma prova que me dá limites, me dá algemas... ainda bem que isso já passou hahaha. parabéns pelo blog, laila! tens o dom da escrita *-*

*Beebee* disse...

Parabéns!Teve voz...passe no meu humilde blog não tão poético,mas transparente...http://beebeeremix.blogspot.com.br/ bjos ...